Resenha do jogo: Type Rider

O jogo Type:Rider, criado pela Cosmografik e produzido pela Ex-Nihilo e Arte France é um jogo de celular do gênero plataforma baseado em princípios de física mecânica. Ele emprega princípios tais como inércia, aceleração e balística no qual @ jogador@ controla dois pontos ao longo dos cenários em graus de complexidade e dificuldade crescentes. Até aqui nenhuma novidade, não é?

Tela de abertura
Tela de abertura do jogo

Pois então, o grande diferencial do jogo está exatamente na temática escolhida e na ambientação dos cenários, uma vez que trata da história da Tipografia, suas evoluções técnicas e mudanças estilísticas. Nesse sentido, cada fase pressupõe um momento diferente da história dos tipos: desde as pinturas nas cavernas e escrita cuneiforme (em tabletes de barro), passando por Gutenberg e chegando até as fontes digitais em pixel e vetor.

Tela de escolha da fase
Tela de navegação e seleção das fases

Os momentos históricos servem de inspiração para a criação de cenários mirabolantes que fazem uso dos alfabetos como parte dos caminhos e obstáculos a serem transpostos até a conclusão de cada fase. Aliás, a temática tipográfica não está apenas nos objetos de cena, mas também nos objetivos: para pontuar @ jogador@ deve colecionar o alfabeto correspondente à fase (de A a Z) e os asteriscos, que desbloqueiam conteúdos sobre a história da tipografia.

Legal, né? Isso significa que enquanto as pessoas jogam elas também aprendem sobre anatomia tipográfica, história da tipografia e a evolução dos meios técnicos de reprodução gráfica?

Não necessariamente!

Como um jogo que articula princípios mecânicos básicos, os cenários compostos por tipografias diferentes são interessantes e desafiadores. O jogo tem momentos difíceis em que é preciso um bocado de controle motor para conseguir superar os desafios. Ao utilizar a tipografia como elementos de cenários, o jogo consegue criar desafios com uma abordagem bem criativa. Ou seja, o jogo é para qualquer pessoa que queira testar sua capacidade de saltar, escalar e chegar ao fim de uma série de plataformas. E consegue fazer isso de maneira divertida!

Tela de jogo
Passando obstáculos da letra “B” e tentando coletar a letra “C”

Já como jogo que pretende ensinar sobre tipografia é preciso fazer considerações, especialmente quanto a capacidade de transmitir conteúdos. Isso porque a tarefa de “desbloquear os conteúdos” que são apresentados na forma de textos é bastante monótona.

Navegação dos conteúdos
Para navegar nos conteúdos e fases, há a opção de escollher pelos livros.

A ideia de que @ jogador@ precisa atravessar uma fase para poder ler as páginas de um livro pode parecer boa, mas causa ruptura graves na experiência de jogo por alguns motivos, Listo três deles abaixo:

Primeiro, porque a consulta aos textos sobre história da tipografia são absolutamente opcionais. Embora @ jogador@ possa desbloqueá-los,  só é possível acessar os conteúdos em momentos de pausa, fora do jogo, ou mesmo nunca acessá-los.

Segundo, porque a maneira de transitar entre um momento extremamente dinâmico para páginas de conteúdo extremamente paradas e convencionais torna o conteúdo monótono (inclusive com algumas páginas mal diagramadas, que em um jogo desse tipo seria um crime, diga-se de passagem). Não que a criação de ritmo entre momentos dinâmicos e estáticos não seja um aspecto importante a ser explorado em um game (ou filme), mas a solução encontrada para apresentar o conteúdo (que é bastante interessante) deixa a desejar.

Terceiro, porque os conteúdos dos textos ligados à história da tipografia são tratados apenas como mera curiosidade e não possuem impacto algum sobre o desdobramento do jogo.  Nesse sentido, o próprio jogo não compele @ jogador@ a ler os conteúdos pois o conhecimento destes não será necessário para a conclusão do jogo. A falha aqui é a seguinte: o jogo permite que @ jogador@ seja leig@ no assunto e ao concluir o jogo continue leig@ (a exceção é um único teste no final do jogo).

Tela de conteúdos
Que tal uma pausa no jogo para ler um pouco sobre Garamond? Boooooring!

Assim, Type:Rider é um interessante jogo de plataforma, mas não é um bom jogo educativo por negligenciar o envolvimento d@ jogador@ com o conteúdo, utilizando uma fórmula preguiçosa e convencional para apresentação de textos estáticos e desvinculados da experiência de jogo.

Todavia, para @s iniciad@s no assunto e para @s curios@s, o jogo oferece uma integração conceitual muito interessante. Quem quiser parar para ler os conteúdos e refletir sobre a experiência de jogo vai perceber que há algumas amarras conceituais explícitas e outra mais sutis ao longo das fases.

Um aspecto brilhante, por exemplo, é a associação musical entre gêneros musicais e as fontes. Trata-se de uma experiência sinestésica que leva @ jogador@ a entrar no clima o período em questão. Na fase da Didot (séc. XIX), por exemplo, a trilha musical é clássica tocada por orquestra, já na fase da Futura (séc. XX), ouvimos um jazz.  Esse artifício auxilia na compreensão do conceito histórico.

Outro aspecto digno de destaque é a criação de cenários associando os ambientes e contexto de uso das fontes. Um exemplo é a temática do faroeste para a Clarendon, os alpes suíços para a Helvetica e uma imprensa à vapor para a Times. Ou seja, os cenários também auxiliam na compreensão do contexto histórico, social e geográfico.

Outros aspectos mais sutis realmente dependem muito do conhecimento prévio d@ jogador@. Um deles ocorre na fase da Helvetica, quando em determinado momento @ jogador@ tem que resolver um puzzle manipulando uma mecanismo inspirado nas máquinas de fotocomposição. A associação é sutil, mas evidencia o princípio do mecanismo que é explicado no texto.

Mecanismo inspirado na fotocomposição
Puzzle baseado no mecanismo de fotocomposição na fase Helvetica.

Enfim, apesar dos pontos criticados aqui recomendo o jogo, em especial para designers e pessoas curiosas que gostem do assunto e tenham disposição para ler, pois além de divertido possui informações bastante relevantes. Fiquei apenas com a vontade de que o jogo incentivasse mais @ jogador@ a se informar mais sobre um assunto tão caro aos designers.

PS com SPOILER > A fase secreta ao fim do jogo é uma grande piada visual, muito difícil de se passar e vai fazer você odiar ainda mais aquela fonte proibida pelos designers!

Nota: Nesse texto optei por tentar não descrever o gênero de quem joga. Portanto, ao invés de usar o masculino como coletivo, utilizei a forma “@ jogador@”.

**** Atualização 15 de abril de 2015 ****

O texto foi revisado no que dizia respeito à “Garamond” e “Garamont”, pois o nome da fonte apresenta uma grafia errônea em relação ao tipógrafo. Em detrimento disso, aparentemente há outros conteúdos como a relação Didot e Diderot que estavam certas e não errôneas como citados anteriormente. Por isso o texto foi atualizado e corrigido.

A fonte de informações sobre a grafia do nome de Claude Garamont é esta:
http://www.garamond.culture.fr/en/page/garamont_or_garamond