O filme de 1929 do cineasta Luis Buñuel (com cenários de Salvador Dalí) apresenta uma narrativa sem linearidade que remete às situações de sonho, evocando a poética surrealista no cinema.
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A INFLUÊNCIA DO CINEMA SURREALISTA COMO PRECURSOR DE UMA NOVA MODALIDADE DE FILME: O VIDEOCLIPE
Desprovido de qualquer enredo com “início, meio e fim”, onde tudo tem uma razão de ser e onde o telespectador possa se identificar com o herói – as bases da dramaturgia clássica – “Um Cão Andaluz” rompe com a estrutura da dramaturgia clássica e da estrutura do cinema até então vigente.
Sendo a ruptura com as formas e fórmulas tradicionais da arte e o repúdio aos cânones da Arte Clássica, “Um Cão Andaluz” figura entre as principais obras representantes da Arte Modernista e é o paradigma do cinema surrealista.
No filme, vê-se colagens de cenas que não se conectam umas às outras, espaços cênicos que coexistem sem uma razão lógica e uma passagem de tempo não-linear, que avança ou retrocede, sem que essa estrutura temporal também tenha alguma ligação entre as cenas, no sentido de explicar fatos ou dar referências em relação à história e aos personagens. Aliás, não existe uma história ou personagens, no sentido de que “personagem” tem caracterizações físicas e psicológicas que lhe são peculiares a fim de identificar sua função, seu objetivo e representação na trama. A total ausência de “trama” e de “personagem” assim posto mostra a ruptura total com a dramaturgia clássica e modelo de cinema até então vigente, o que caracteriza o pensamento modernista como um todo e o niilismo surrealista.
Um Cão Andaluz foi roteirizado por Buñuel e Salvador Dalí como uma experiência sensorial, podendo-se observar nesta o único comprometimento e proposta do filme. Um experimento de desconstrução narrativa a partir de colagens aleatórias de imagens de sonhos de Buñuel e Salvador Dalí, onde não houvesse nenhuma explicação racional e onde tudo não simbolizasse nada, numa automação psíquica e automação narrativa, conforme a proposta surrealista do manifesto de André Breton em 1924.
Tanto as cenas quanto à escolha da trilha (uma colagem de trechos de obras de Wagner e tangos argentinos) também são representativas da proposta surrealista na medida em que “Quanto mais longínquas e justas forem as afinidades de duas realidades próximas, tanto mais forte será a imagem – mais poder emotivo e realidade poética ela possuirá… “( citação de Pierre Reverdy por André Breton no Manifesto Surrealista de 1924) Vemos então que Buñuel e Dalí levaram ao pé da letra a sentença do Conde de Lautréamont: “Belo como o encontro casual entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecação”.)
Segundo os surrealistas, apoiados nos estudos psicanalíticos de Freud, a arte deve libertar-se das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana, procurando expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos. A verdadeira arte procura expressar a ausência de racionalidade humana e as manifestações do subconsciente, valorizando acima de tudo o desempenho da esfera do inconsciente no processo da criação, onde a imaginação se manifesta livremente, sem o freio do espírito crítico, valendo-se, apenas, o impulso psíquico. Nesse sentido, Buñuel e Dalí levaram literalmente ao Cinema a proposta da diretriz surrealista, através da colagem aleatória de cenas retiradas de seus próprios sonhos e, portanto, do seu subconsciente, sem nenhum filtro moral, religioso, social ou de qualquer ordem.
A experiência de desconstrução narrativa e as cenas aleatórias de Um Cão Andaluz desfez as amarras à que o cinema estava sujeito e escancarou as possibilidades do meio. A perícia de Buñuel no comando da câmera, a montagem inusitada, bem como os efeitos especiais altamente impactantes para a época, faz com que a crítica especializada viesse a considerar em Um Cão Andaluz como o antepassado dos clipes musicais.
De fato, os clipes musicais propõe uma experiência sensorial mais do que qualquer proposta dramatúrgica. No dicionário, a palavra “clipe” significa ”uma pequena peça feita de metal ou plástico, comumente utilizado para agrupar ou anexar papéis” De fato, pela primeira vez no Cinema, “Um cão Andaluz” agrupou cenas – e porque não dizer músicas – de forma aleatória provocando sensações diversas: de horror, repulsa, nojo e até mesmo de humor, pelas cenas absurdamente linkadas. Da mesma forma, o manejo do tempo e de cenários realizados por Buñuel são extremamente característicos da estrutura artística do que viria a ser o clipe musical. Da mesma forma, os efeitos cênicos realizados por Buñuel através da montagem, são recursos amplamente utilizados pelos clipes musicais como forma de provocar sensações no espectador e como recurso para o livre passeio no tempo e espaço. (por Alessandra Cervieri, 04.06.2013)